segunda-feira, 23 de agosto de 2010

LI...GOSTEI... ESTOU PUBLICANDO...


BRINCADEIRA SÉRIA...
Faz de conta: você acordou, ligou para o salão e marcou um horário. Na
hora do almoço, foi lá e pediu: Corta bem curto. O cabeleireiro não
acreditou no que ouvia. Afinal, seus quase cinquenta centímetros de
cabelo sempre foram, na sua cabeça (literalmente), uma espécie de
atestado da sua feminilidade. Mas agora eles teriam de ser curtos.
Para que suas idéias ficassem longas. Ele colocou a mão um pouco
abaixo do seu ombro: Mais ou menos aqui? Você segurou a mão dele,
levou-a na altura da sua orelha, e disse: Tosa.
Depois você passou naquela loja onde tem uns vestidos moderninhos e
coloridos. Você entrou e pediu aquele cor de laranja com borboletas,
muito mais curto do que os que você costuma usar. Aproveitou e pediu a
sapatilha da vitrine. Arrancou o seu terninho bege, sua camisa branca
e seu escarpim marrom. Deixou tudo por lá mesmo, no provador. E quando
a vendedora perguntou o que fazer com aquilo, você disse: Queima.
Quando você retornou ao trabalho, uma hora depois do horário de
costume, com aquele vestidinho e com os cabelos daquele jeito, a roda
em torno de você foi se formando. Uns animadíssimos. Outros, nem
tanto. Alguns reprovaram. Como as coisas já não andavam muito bem por
ali, sua chefe lhe chamou no final do dia para conversar, e avisou que
as coisas não poderiam continuar daquele jeito, ou ela teria que
substituir você. E você disse: Substitui.
Saindo de lá deu vontade de jantar naquele bistrô aonde você acha que
só deveria ir no dia do seu aniversário ou outra data importante. Você
mal encostou seu carro e já veio o dono da rua, dizendo que eram dez
pratas para parar ali. E, como você não deu bola, o homem começou
aquela conversinha surrada dizendo, na entrelinha da entrelinha, que
um eventual não-pagamento antecipado incorreria em riscos indesejáveis
na pintura do seu bólido. Você pegou o celular, digitou três números,
mostrou o visor para o homem e, já com o dedo na tecla “ligar”, disse:
Risca.
Faz de conta que você chegou em casa e sua filha de dezessete anos
estava na sala com o namorado. Você teve que contar de novo a história
daquele vestido e daquele cabelo e, como chovia, sua filha sondou se o
rapaz poderia dormir ali. E, enquanto jogava no lixo aquela agendinha
que você só usava no trabalho, você disse: Pode.
Quando se deitou para dormir, aquele anjo que costuma vir conversar
com você antes do sono se empoleirou na cabeceira da sua cama. Elogiou
o cabelo, o vestido, a decisão no trabalho, o presente de
não-aniversário, o chega-pra-lá no dono da rua, a atitude com a filha.
Só por curiosidade, perguntou que bicho havia mordido você. E você, se
ajeitando no travesseiro e já desligando o abajur, disse: Nenhum.
No dia seguinte, vendo que eram dez da manhã e você ainda não havia se
levantado, sua filha entrou no quarto, vocês conversaram e no final
ela perguntou como é que vocês viveriam dali para frente. Com certa
ironia, ela arriscou dizer que com as bolsas e os badulaques que você
produzia e vendia nos finais de semana é que não seria. E você disse:
Sim.
À tarde, você procurou o dono daquele galpão que você havia visto para
alugar, perfeito para uma oficina, e fez uma oferta. O homem coçou a
cabeça, pediu um pouquinho mais, e você disse: Fechado.
À noitinha, você foi até a casa dos seus avós, assim, de surpresa. E,
de surpresa, você os beijou. E quando eles perguntaram o que era
aquilo, você disse: Amor.
Faz de conta que foi assim. Faz de conta que foi desse jeito que você
virou a mesa. Que resolveu não perder mais tempo, fazer o que gosta e
ser do jeito que você, só você, acha que fica mais bonita.
Faz de conta que você morreu. E que alguém lhe deu a oportunidade de
voltar para um terceiro tempo.
Então. Agora vai lá e faz tudo de verdade.
De Silmara Franco


Um comentário:

  1. Oi Marlene!

    Esse texto é de autoria de Silmara Franco e pode ser encontrado no blog:
    http://fiodameada.wordpress.com/2009/07/22/brincadeira-seria/
    A autora fica feliz da vida quando dão os devidos créditos ao que ela escreve.
    Abçs

    Nara

    ResponderExcluir